A busca por tratamento adequado e direitos de saúde é um aspecto fundamental para qualquer indivíduo, e para pessoas trans, a questão da cirurgia de transgenitalização é especialmente crucial. No Brasil, tanto os planos de saúde quanto o Sistema Único de Saúde (SUS) têm papéis significativos na disponibilização desse procedimento. Neste post, vamos explorar a natureza da cirurgia de transgenitalização, o rol da ANS, a cobertura por planos de saúde, e como se posiciona a justiça nesses casos.
A cirurgia de transgenitalização, também conhecida como cirurgia de redesignação sexual, é um procedimento médico importante para muitas pessoas trans. Este tipo de cirurgia visa alinhar o corpo com a identidade de gênero da pessoa, e pode incluir procedimentos como a vaginoplastia ou a faloplastia. No entanto, mesmo com a importância do procedimento para a saúde e bem-estar, muitas pessoas enfrentam dificuldades ao tentar obter cobertura para a cirurgia, seja pelo SUS ou por planos de saúde privados. Neste post, vamos discutir as obrigações legais e os passos que você pode seguir para garantir que seus direitos sejam respeitados.
A cirurgia de transgenitalização é um conjunto de procedimentos cirúrgicos que visam modificar características genitais para que correspondam à identidade de gênero da pessoa. Essa cirurgia pode ser composta por diferentes técnicas, dependendo das necessidades e desejos do paciente, e geralmente requer uma equipe médica especializada em medicina trans.
Os procedimentos mais comuns incluem:
1. Vaginoplastia: Criação de uma vagina funcional e esteticamente satisfatória para pessoas trans femininas.
2. Faloplastia: Criação de um pênis funcional e estético para pessoas trans masculinas.
3. Metoidioplastia: Procedimento que utiliza o clítoris hipertrofiado para criar um pênis menor e funcional.
4. Uretrostomia: Criação de uma nova abertura urinária para pessoas que passaram por faloplastia.
Cada uma dessas cirurgias é complexa e envolve um planejamento meticuloso, além de um acompanhamento médico rigoroso pós-operatório.
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) regula os planos de saúde no Brasil e estabelece o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, que lista os tratamentos e procedimentos que devem ser cobertos pelos planos. A partir de 2018, o rol da ANS passou a incluir a cirurgia de transgenitalização como um procedimento obrigatório, garantindo que os planos de saúde cubram as cirurgias de redesignação sexual e outros tratamentos relacionados.
Essa inclusão foi um avanço significativo para o reconhecimento dos direitos das pessoas trans, pois assegura que o tratamento necessário para a adequação de gênero seja coberto, minimizando o impacto financeiro sobre os pacientes.
Sim, de acordo com o rol da ANS, os planos de saúde são obrigados a custear a cirurgia de transgenitalização. No entanto, a realidade pode ser diferente, com muitos planos tentando negar cobertura com base em alegações de que o procedimento não é "necessário" ou "não está coberto" pelos termos do contrato. Nesses casos, é crucial entender que, legalmente, os planos de saúde devem cumprir o rol da ANS e cobrir esses procedimentos.
Se o plano de saúde se recusar a cobrir a cirurgia, você tem o direito de recorrer. A primeira etapa é apresentar uma reclamação formal junto à operadora do plano de saúde. Caso não haja resolução, você pode levar a questão à ANS ou buscar orientação jurídica especializada.
Para acessar a cirurgia de transgenitalização pelo SUS, é necessário seguir alguns passos:
1. Consulta com Profissional de Saúde: Busque um médico ou um serviço especializado em saúde trans, que fará uma avaliação e emitirá um laudo recomendando a cirurgia.
2. Encaminhamento: O profissional de saúde pode encaminhá-lo para uma unidade de referência para o tratamento de pessoas trans.
3. Acompanhamento e Inclusão na Fila: Após o encaminhamento, você será incluído na fila de espera para a cirurgia, que pode variar em tempo dependendo da demanda e da disponibilidade de recursos.
Se o SUS negar a cobertura ou o procedimento, é importante:
1. Revisar a Negativa: Entender o motivo da negativa e verificar se o laudo médico está completo e correto.
2. Recorrer Administrativamente: Faça uma reclamação formal através da Ouvidoria do SUS ou da unidade onde foi atendido.
3. Buscar Apoio Jurídico: Caso a negativa persista, busque assistência jurídica especializada em direitos de saúde para recorrer judicialmente e garantir que seus direitos sejam respeitados.
A jurisprudência brasileira tem se mostrado cada vez mais favorável à cobertura de cirurgias de transgenitalização. Em diversas decisões, os tribunais têm determinado que os planos de saúde devem cobrir esses procedimentos, mesmo que haja resistência inicial por parte das operadoras.
Vejamos:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PLANO DE SAÚDE. PROCESSO DE TRANSGENITALIZAÇÃO. TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA. PRESENÇA DOS REQUISITOS LEGAIS. REFORMA DO JULGADO RECORRIDO. 1. Cuida-se, na origem, de ação cominatória cumulada com pedido indenizatório promovida por segurada em face de plano de saúde, visando à autorização de custeio de processo de transgenitalização. 2. Concessão de tutela provisória de urgência que exige a presença concomitante de dois pressupostos, quais sejam, probabilidade do direito e perigo na demora (art. 300, CPC), além de inexistência de risco de dano reverso. 3. Solicitação médica que aponta a necessidade de realização do procedimento, ante a condição de saúde que acomete a autora (disforia de gênero, cid 10:f64). 4. Recusa do plano de saúde, sob o fundamento de que não incluído no rol previsto pela ANS. Orientação jurisprudencial majoritária no C. STJ no sentido de que o referido rol não é taxativo. Entendimento firmado por aquela Corte no sentido de que "o contrato de plano de saúde pode limitar as doenças a serem cobertas não lhe sendo permitido, ao contrário, delimitar os procedimentos, exames e técnicas necessárias ao tratamento da enfermidade constante da cobertura" ( AgInt no AREsp n.º 622.630/PE, Relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, DJe 18/12/2017). 5. Probabilidade do direito e perigo de dano de difícil que se afiguram demonstrados. 6. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO para determinar que o plano de saúde promova o custeio dos procedimentos enumerados pelo médico que assiste a autora, no prazo de 10 dias, sob pena de multa diária de R$500,00, limitada a R$100.000,00.
(TJ-RJ - AI: 00174727720218190000, Relator: Des(a). JOSÉ ACIR LESSA GIORDANI, Data de Julgamento: 13/05/2021, PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 20/05/2021)
Se enfrentar uma negativa, você pode:
Entrar com Ação Judicial: Buscar orientação jurídica para ajuizar uma ação contra o plano de saúde. Muitas vezes, a Justiça concede liminares que obrigam o plano a cobrir o procedimento imediatamente.
A carência é o período inicial em que o beneficiário de um plano de saúde deve aguardar para ter acesso a determinados procedimentos. No caso da cirurgia de transgenitalização, a ANS determina que a carência não pode ser aplicada de forma a impedir o acesso aos procedimentos listados no rol.
Se houver uma tentativa de impor carência excessiva ou a negativa de cobertura com base em carência, você tem o direito de contestar. A judicialização pode ser um caminho para garantir que a cobertura seja concedida sem limitações indevidas.
A cirurgia de transgenitalização é um procedimento fundamental para muitas pessoas trans e deve ser garantida pelo SUS e pelos planos de saúde de acordo com as normas vigentes. Apesar dos avanços legais e das garantias estabelecidas pelo rol da ANS, ainda é comum enfrentar desafios na hora de obter cobertura. Entender seus direitos, buscar apoio jurídico e fazer valer suas reivindicações são passos essenciais para garantir o acesso a esse tratamento crucial.