A judicialização da saúde é um tema recorrente no Brasil, e um dos aspectos mais delicados é o fornecimento de medicamentos que não fazem parte da lista oficial do Sistema Único de Saúde (SUS). Esse cenário se tornou ainda mais relevante após o Supremo Tribunal Federal (STF) formar maioria para definir critérios que guiarão o Judiciário em casos excepcionais. A decisão do STF, com repercussão geral, estabelece regras que impactarão diretamente como e quando medicamentos não incorporados ao SUS poderão ser fornecidos por determinação judicial.
O fornecimento de medicamentos por ordem judicial é um dos grandes desafios enfrentados pelo Judiciário brasileiro. A crescente demanda por remédios, muitas vezes de alto custo, gera uma pressão significativa sobre o orçamento público. Isso ocorre, em parte, devido ao avanço da tecnologia médica e ao aumento do número de pacientes que buscam tratamentos para doenças raras ou crônicas, cujos custos podem ultrapassar milhões de reais.
A importância desse julgamento transcende o caso individual, impactando diretamente milhares de processos que aguardam decisão em diversas instâncias do Judiciário. Trata-se de uma tentativa de equilibrar o direito à saúde com a responsabilidade fiscal e a viabilidade de políticas públicas, evitando que decisões isoladas prejudiquem o sistema de saúde como um todo.
A tese fixada pela maioria dos ministros estabelece uma série de requisitos que precisam ser atendidos para que o Judiciário determine o fornecimento de medicamentos não incorporados ao SUS. Dentre os principais critérios estão:
1. Negativa Administrativa: O paciente deve comprovar que o fornecimento do medicamento foi negado pelas vias administrativas.
2. Incapacidade Financeira: É necessário que o autor da ação demonstre sua incapacidade financeira de arcar com os custos do medicamento.
3. Medicamento Eficaz, Seguro e Imprescindível: O remédio solicitado deve ser registrado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), além de ser imprescindível e insubstituível por outras opções disponíveis no SUS. Sua eficácia e segurança devem ser comprovadas.
4. Consultas a Órgãos Técnicos: Os juízes deverão consultar o Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NatJus) ou outros especialistas em saúde para tomar decisões fundamentadas, não se limitando apenas a laudos médicos fornecidos pelo paciente.
5. Encaminhamento de Ofícios: Caso o fornecimento do medicamento seja autorizado, o magistrado deverá comunicar os órgãos competentes para avaliar a possibilidade de incorporação do remédio ao SUS.
Esses critérios visam trazer mais segurança jurídica e técnica às decisões, garantindo que o fornecimento de medicamentos por via judicial seja feito de forma criteriosa e justa, sem comprometer o equilíbrio orçamentário do sistema público de saúde.
A decisão do STF representa uma tentativa de balancear o direito individual de acesso à saúde com as limitações impostas pelo orçamento público. A concessão indiscriminada de medicamentos por via judicial pode criar um efeito cascata, em que decisões voltadas para atender demandas individuais acabam gerando prejuízos sistêmicos que afetam a maioria da população.
Os ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, que apresentaram um voto divergente conjunto, destacaram que a judicialização excessiva compromete a sustentabilidade do SUS e a eficiência das políticas públicas de saúde. Para eles, a concessão de medicamentos por ordem judicial deve ser uma medida excepcional, baseada em critérios técnicos rigorosos e em evidências científicas, evitando favorecer indivíduos em detrimento do coletivo.
Com a decisão do STF, espera-se que as demandas judiciais envolvendo medicamentos não incorporados ao SUS sigam um caminho mais técnico e menos emocional. O julgamento evidencia a necessidade de decisões embasadas em dados científicos, respeitando a limitação dos recursos públicos e, ao mesmo tempo, assegurando que os direitos fundamentais à saúde sejam garantidos de forma igualitária.
A judicialização da saúde continuará sendo um dos principais desafios do Judiciário brasileiro, mas com os critérios estabelecidos pelo STF, há uma expectativa de que o processo seja mais transparente e justo para todos os envolvidos.